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O "julho das pretas" também é agenda do Serviço Social

25/07/2024 às 06h15

Evelly Araújo
Assistente social - Prefeitura do Recife
Mestra em Serviço Social ( PPGSS-UFPE)
Integra a gestão Quem elegeu o caminho não recusa a travessia, do CRESS-PE

O “julho das pretas” é uma agenda conjunta e coletiva, mobilizada pelos movimentos de mulheres negras de todo o Brasil, que visa o fortalecimento e a incidência de um programa político pautado na realidade de mulheres negras e protagonizado por elas.

Em 2024, o julho das pretas nos convoca à mobilização em torno do tema “Mulheres Negras em Marcha por Reparação e Bem Viver”, apontando a urgência de construir caminhos implicados na produção da vida em meio a uma realidade que historicamente nos explora, violenta e descrimina. Para nossa categoria profissional, esses processos de reparação e bem-viver voltadas para mulheres negras perpassam a reflexão crítica e propositiva sobre a questão étnico-racial, sobre o racismo e a construção ética de uma atuação antirracista.

É sempre bom produzirmos movimentos de autorreconhecimento no interior do Serviço Social: somos uma categoria profissional formada massivamente por mulheres (92,92%) e pessoas que se reconhecem como pretas/negras e pardas (50,67%)(CFESS,2022). As relações patriarcais e racializadas não só conformam os processos de exploração do nosso trabalho, como produzem e reproduzem o racismo - enquanto estrutura pautada sistematicamente na discriminação a partir dos processos de racialização - duplamente em nosso cotidiano profissional, conosco e com a população usuária composta por mulheres negras, neste caso, é tarefa cotidiana identificar e intervir nas expressões do racismo no âmbito contraditório das políticas públicas e sociais, das instituições e das relações sociais (Passos, 2020).

O exercício de autorreconhecimento também convoca as/os 46,98% de assistentes sociais que se autodeclaram brancas/os para a construção de práticas profissionais que contestem a branquitude, ou seja, de ações e tomadas de decisões que localizem a identidade racial branca e as consequentes permissões sociais, econômicas e políticas, para compreender como isso impacta objetiva e subjetivamente a atuação.

Afinal, construir pontes para reparação e bem-viver de mulheres negras é um locus contraditório na realidade das políticas sociais. Voltemos à realidade: com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de 2023, a taxa de desemprego entre jovens negras de 18 a 29 anos é três vezes maior quando comparada a homens brancos; em 2022, 62% das mulheres encarceradas eram negras, além de marcadamente pobres e moradoras de periferias (Infopen, 2023); em 2018, a mortalidade materna de mulheres negras foi cerca de 65% acima da de mulheres brancas; em pesquisa realizada pelo Fórum de Segurança Pública, 45% das mulheres negras entrevistadas afirmaram já ter sofrido violências físicas; o relatório de 2022 da Anistia Internacional identificou que 62% das mulheres vítimas de feminicídio no país são negras. Esta é a marca de parte significativa das usuárias que frequentam os serviços das políticas sociais, que ingressam em redes de cuidado marcadas pelo racismo institucional, pela culpabilização e negação de suas maternidades, e pela desumanização de suas vidas, em uma relação estruturalmente vinculada à pobreza e à desigualdade social produzida pelo capitalismo.

Mas as estratégias de reparação e bem-viver remontam um olhar permanente para as potencialidades, lembramos que a ação política de mulheres negras foi e é mobilizadora histórica das lutas sociais brasileiras, apesar do silenciamento e invisibilização, por isso, o diálogo com os movimentos de mulheres negras e a construção de ações voltadas para o fortalecimento mútuo de profissionais e população usuária é um caminho propositivo para nossa atuação profissional.

Mesmo diante de um lastro de invisibilidade do tema, lembramos que a questão étnico-racial vem ocupando o interior dos debates em nossa categoria. Vale consultar permanentemente o tema nos documentos produzidos pelas entidades organizativas da categoria, tais como: Subsídios para o debate sobre a questão étnico-racial na formação em Serviço Social (ABEPSS, 2018); a Carta de princípios da Frente Nacional de Assistentes Sociais no Combate ao Racismo, produzida pela Frente Nacional de Assistentes Sociais no Combate ao Racismo, de 2020; e a cartilha Racismo, da série Assistente Social no combate ao Preconceito (CFESS).

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